CAIXA DE ESCRITA
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CAIXA DE ESCRITA

Caja de escritura [ES]
Writing box [EN]
Coffret à écrire [FR]
Schreibschatulle [DE]
書箱 [JP]
Mobiliário
Reino do Pegu
- Produtor

Título Alternativo:
Caixa escritório
Descrição:
Caixa de escrita portátil em madeira, revestida a laca com aplicações de ouro e ferragens em ferro. Móvel para escrita. Produção do Reino do Pegu (atual Myanmar) para o mercado europeu de exportação, datável do século XVI.

Caixa de escrita portátil em madeira, de formato paralelepipédico, composta por um compartimento superior com tampa articulada e uma gaveta inferior compartimentada. Produzida no Reino do Pegu, situado na região do atual Myanmar (antiga Birmânia), para o mercado europeu no século XVI – nomeadamente o português –, é provavelmente executada em madeira de angelim (Artocarpus sp.). Todas as faces exteriores, exceto o fundo, apresentam decoração em talha baixa com um padrão espiralado de flores e folhagens de lótus estilizadas. Os relevos são revestidos com laca negra e realçados a folha de ouro. As faixas planas que os enquadram, bem como o verso da tampa, não são entalhadas, exibindo frisos e motivos pintados a ouro sobre o fundo lacado, em continuidade com o esquema ornamental geral. O interior, revestido por laca vermelha de tom cinábrio, organiza-se num compartimento superior único e numa gaveta inferior dividida em dois espaços – o maior destinado ao papel e o menor subdividido em três compartimentos concebidos para guardar penas, tinteiro, areeiro e lacre. As ferragens, em ferro forjado, seguem modelos europeus coevos amplamente difundidos na produção de móveis portáteis dos séculos XVI e XVII: fechadura composta por espelho recortado em forma de escudo heráldico e ferrolho em “T”; puxador da gaveta de desenho articulado em “tesoura”; e asas laterais de dupla ansa, que asseguram a portabilidade e o equilíbrio visual do conjunto. Duas dobradiças de ferro, de execução posterior, substituem os três engonços primitivos da tampa, dos quais subsistem vestígios no interior. Cinco tachas salientes, dispostas regularmente sobre a zona correspondente aos engonços e à fechadura, disfarçam o sistema de fixação e, ao mesmo tempo, protegem a superfície lacada do contacto com outros objetos, completando visualmente o conjunto metálico e contribuindo para a unidade decorativa do móvel.

O motivo do lótus, recorrente em toda a superfície da caixa, adquire particular centralidade na tampa, onde se destaca uma grande flor aberta. Este elemento integra o repertório simbólico auspicioso do Sudeste Asiático, no qual o lótus se associa à pureza espiritual, ao renascimento e à sabedoria de Buda. A sua representação contínua, com hastes e pétalas entrelaçadas num movimento circular e ritmado, traduz a ideia de ordem cósmica e de renovação cíclica da vida, temas fundamentais na iconografia budista e hindu. O tratamento formal do motivo, de desenho depurado e execução minuciosa, revela uma intencionalidade estética que ultrapassa a função ornamental, inscrevendo a peça num universo visual de espiritualidade e contemplação, característico das produções artísticas do Sudeste Asiático de tradição lacada.

Produzida nas oficinas do antigo Reino do Pegu, esta caixa de escrita reflete o diálogo entre modelos europeus e técnicas artísticas do Sudeste Asiático, num contexto marcado pela presença portuguesa na região no século XVI. A adaptação de uma tipologia ocidental a materiais e processos locais demonstra a capacidade de síntese das oficinas dessa área, onde artífices especializados transformaram objetos de uso quotidiano em criações de elevado valor simbólico e decorativo. Pequena e portátil, destinava-se a guardar documentos e instrumentos de escrita, assumindo igualmente o papel de objeto de distinção e prestígio pessoal. O seu uso relaciona-se com a intensa atividade administrativa e comercial do império português no Oriente, que exigia a redação constante de cartas, relatórios e registos sobre o comércio, a diplomacia e a vida local. A necessidade de conservar e transportar essa correspondência fomentou a difusão de móveis de escrita portáteis entre oficiais régios, missionários e mercadores, tornando-se parte essencial do quotidiano luso-oriental do período.

Estudos recentes permitiram identificar a laca utilizada na decoração como proveniente da chamada "Árvore-da-laca birmanesa" (Gluta usitata, anteriormente Melanorrhoea usitata), espécie asiática da família Anacardiaceae, originária do sul do atual Myanmar e da Tailândia. Da seiva desta árvore obtém-se uma resina que constitui a base da laca conhecida como thitsi, amplamente utilizada na produção de objetos lacados do Sudeste Asiático. Associada a este material encontra-se a técnica shwei-zawa (birmanês: ေရွှေဇဝါ) – literalmente “trabalho dourado” –, característica das oficinas do sul de Myanmar. O processo consiste na aplicação de folha de ouro sobre camadas sucessivas de thitsi polida, criando um subtil contraste entre o fundo negro e o brilho metálico dos relevos. O resultado é uma superfície de notável profundidade e luminosidade, que revela o virtuosismo técnico dos seus executantes. A combinação destes elementos confirma a origem da peça e inscreve-a na tradição do luxo lacado desenvolvido na região para o comércio europeu.
PEDRO PASCOAL DE MELO (Outubro, 2025)

Bibliografia consultada:
  • CRESPO, Hugo Miguel (et al.). Choices. Lisboa: AR/PAB, 2016, pp. 238-261.
  • CRESPO, Hugo Miguel. "Arquetas-escrivaninhas do Reino do Pegu (Birmânia)", in A Cidade Global: Lisboa no Renascimento/The Global City: Lisbon in the Renaissance. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda/Museu Nacional de Arte Antiga, 2017, pp. 170-171.
  • DIAS, Pedro. Mobiliário Indo-Português. Moreira de Cónegos: Imaginalis, 2013, pp. 90-99.
  • FERRÃO, Bernardo. Mobiliário Português: Dos Primórdios ao Maneirismo, 4 vols. Porto: Lello & Irmão, 1990, vol. III, pp. 153-172.

Dimensões:
Totais : A. 18 x L. 41 x P. 29,5 cm
Nº de Inventário:
PGRA-PS0027
Data de produção:
Século XVI
Material e técnicas
Madeira, laca e ouro -  Ensamblada, entalhada, lacada e dourada
Ferro - Forjado e recortado
Incorporação:
Peça adquirida em 1984, durante a vigência do III Governo Regional dos Açores (1984-1988), ao antiquário e colecionador Eduardo Rangel Pamplona Silvano (1924-1999). Integra desde então as coleções da Presidência do Governo dos Açores, estando atualmente em exposição no Palácio de Sant'Ana, em Ponta Delgada.

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