Retrato de D. João, Príncipe Regente de Portugal
Representação, a óleo sobre tela, do futuro D. João IV, Rei de Portugal, ainda na qualidade de Príncipe Regente. Retrato pictórico. Produção portuguesa, de autor não identificado, datável de cerca de 1808.
Pintura a óleo sobre tela, emoldurada, representando D. João IV, Rei de Portugal, ainda na qualidade de Príncipe Regente (1767-1826; regente de 1799 a 1816 e rei de 1816 a 1826), obra portuguesa de autor desconhecido, realizada provavelmente entre 1792 e 1799. O retrato apresenta o monarca de corpo inteiro, em postura solene, voltado a três quartos para a direita (esquerda do observador) e olhar frontal, conforme a iconografia áulica da época. A cabeça descoberta revela cabeleira curta empoada, presa por um laço de fita preta. Veste traje cortesão do início do século XIX, composto por casaca escarlate, colete e calções amarelos. A casaca, forrada com tecido da mesma cor dos calções – visível também nos punhos rebatidos –, ostenta debruados e botões dourados. Os calções são apertados abaixo do joelho por pequenos botões e acompanhados por meias brancas e sapatos pretos com fivelas metálicas. Sobre o ombro direito, a faixa das Três Ordens atravessa o peito – distinção exclusiva do soberano português enquanto Grão-Mestre das ordens militares nacionais. Ao pescoço, a insígnia do Tosão de Ouro (de Espanha) pendente de fita encarnada. Ao peito, exibem-se as placas das Três Ordens – Cristo, Avis e Sant’Iago da Espada –, da Ordem de Carlos III de Espanha, reconhecível pela imagem da Imaculada Conceição, e da Ordem da Torre e Espada, reformulada em 1808 por iniciativa do regente. À anca esquerda suspende-se um espadim. Na mão direita, que cai junto a este, segura um documento ou carta, enquanto a mão esquerda – apoiada num pilar onde se vê a coroa real portuguesa, colocada sobre uma almofada – sustenta uma inscrição em papel com a fórmula: "D. JOÃO P.e R.te P.es", expressão macarrónica de cunho latino correspondente a Dom João Princeps Regens Portugalliae (D. João, Príncipe Regente de Portugal). A pintura é envolta por moldura retangular em madeira dourada, decorada com perlados. Na parte inferior, uma placa dourada apresenta, em relevo, a inscrição: "D. JOÃO VI".
Filho segundo, nascido em 1767, D. João assumiu o governo do reino após a morte do irmão, o príncipe D. José (1788), e a declaração de incapacidade da mãe, D. Maria I. O seu governo decorreu num período particularmente conturbado, marcado pela Revolução Francesa e pelas guerras napoleónicas. Procurou manter a neutralidade de Portugal, mas acabou por ceder ao ultimato francês já demasiado tarde, não evitando a invasão do país em 1807. Irresoluto, adiou até ao último momento a retirada da corte para o Brasil, que viria a ser formalmente elevado a reino em 1815.
Em 1820, a revolução liberal triunfou em Portugal, forçando o seu regresso à metrópole e deixando o filho, D. Pedro, na regência do Brasil. Em Lisboa, aceitou as limitações constitucionais impostas pelas Cortes, mas não tomou quaisquer medidas eficazes para impedir a independência do Brasil, proclamada em 1822.
Entretanto, a rainha D. Carlota Joaquina e o filho mais novo, D. Miguel, lideraram a contrarrevolução absolutista que, em 1823, restabeleceu as prerrogativas régias. Moderado, D. João optou por prometer uma Carta Constitucional, numa tentativa de conciliação entre os dois campos políticos. A sua morte, em 1826 – possivelmente por envenenamento – abriu uma profunda crise sucessória, que marcaria a história política portuguesa nas décadas seguintes.
nos punhos rebatidos – ostenta debruados e botões dourados. Os calções, apertados por pequenos botões abaixo do joelho, acompanham-se de meias brancas moldadas à perna e sapatos pretos de tacão baixo, com fivelas metálicas. Ao pescoço destaca-se um lenço branco, sob o qual sobressaem os folhos de renda da camisa branca, que se deixam entrever nos punhos da casaca, à altura do canhão das mangas.
Esta pintura integra uma série de dez efígies régias da Casa de Bragança, realizada no contexto de afirmação simbólica da autoridade monárquica nos derradeiros anos do Antigo Regime. O ciclo iconográfico inclui as representações dos reis D. João IV, D. Afonso VI, D. Pedro II, D. João V, D. José I, D. Maria I e D. Pedro III (em retrato duplo), bem como dos príncipes herdeiros D. Teodósio, 1.º Príncipe do Brasil; D. José, 8.º Príncipe do Brasil; e D. João, 9.º Príncipe do Brasil e futuro D. João VI, aqui ainda na qualidade de Príncipe Regente. Inclui-se ainda a imagem de D. Duarte, Senhor de Vila do Conde e irmão de D. João IV. O conjunto apresenta grande coerência formal e estilística, permitindo atribuí-lo com segurança a um único autor, cuja identidade permanece, contudo, desconhecida. Com clara intenção política, estas obras afirmavam a legitimidade da dinastia e a continuidade da soberania régia – fundamentos essenciais da consolidação do Estado absoluto e da expansão imperial portuguesa. Os retratos provêm da extinta Junta da Fazenda Pública, criada por carta régia de 1766 e instalada na Alfândega de Angra. Estavam originalmente dispostos numa sala de receção, presidida por uma pintura de Nossa Senhora da Conceição, padroeira do Reino. A execução do ciclo deverá situar-se entre 1777, ano da aclamação de D. Maria I, e 1788, data da morte do príncipe D. José. O retrato de D. João terá sido pintado posteriormente, cerca de 1808 (ano em que institui a Ordem da Torre e Espada que traz ao peito no retrato). Por volta de 1840, o conjunto foi transferido para o Palácio dos Capitães-Generais, por iniciativa de José Silvestre Ribeiro, então governador civil. Atualmente, encontra-se exposto na Sala de Baile, também conhecida como Sala dos Reis de Bragança.
PEDRO PASCOAL DE MELO (julho, 2025)
Bibliografia consultada:
- FRANCO, Anísio. “As séries régias do Mosteiro de Santa Maria de Belém e a origem das fontes da iconografia dos reis de Portugal”, in Franco, Anísio [coord.], Jerónimos: 4 séculos de pintura [Catálogo de exposição]. Lisboa: Mosteiro dos Jerónimos/IPPAAR, 1993, vol. I, p. 292-337.
- FRANÇA, José Augusto. O Retrato na Arte Portuguesa. Lisboa: Livros Horizonte, 1981.
- GONÇALVES, Susana Cavaleiro Ferreira Nobre. A arte do retrato em Portugal no tempo do Barroco (1683-1750): Conceitos, tipologias e protagonistas [Tese de Doutoramento]. Lisboa: Universidade de Lisboa, 2013 (Disponível em: A arte do retrato em Portugal no tempo do barroco (1683-1750. Consulta em: 29 jan. 2025).
- KÖHLER, Carl. História do vestuário. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
- LEITE, José Guilherme Reis [et al.]. Palácio dos Capitães-Generais. Ponta Delgada: Presidência do Governo Regional dos Açores, 2012.
- MARTINS, Francisco Ernesto de Oliveira. Palácio dos Capitães-Generais: Subsídios para a sua história. Angra do Heroísmo: Secretaria Regional da Administração Interna, 1989.
- PEDREIRA, Jorge; COSTA, Fernando Dores. D. João VI: o Clemente. [s.l.]: Círculo de Leitores, 2006.
Totais (pintura com moldura)
:
A.
241,8
L.
119,4
cm
[Pintura] Óleo s/tela
-
Pintura
[Moldura] Madeira e ouro
-
Ensamblada e dourada
Esta peça integra um conjunto de bens que, na sequência da criação da Região Autónoma dos Açores em 1976, foram incorporados no património regional, provenientes dos extintos Governos Civis e Juntas Gerais dos Distritos Autónomos de Angra do Heroísmo, Horta e Ponta Delgada. Desde então, pertence às coleções da Presidência do Governo Regional dos Açores, encontrando-se atualmente em exibição no Palácio dos Capitães-Generais, em Angra do Heroísmo.